Acórdão: Apelação Cível n. 2005.014541-9, de Chapecó.
Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil.
Data da decisão: 01.07.2005.
Publicação: DJSC n. 11.715, edição de 20.07.2005, p. 29.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - EXTINÇÃO DO FEITO SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO - ACORDO JUDICIAL QUE TRANSMITE 50% DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL À APELADA - POSSE INJUSTA DA RECORRIDA NÃO COMPROVADA - PRESSUPOSTOS DA AÇÃO REIVINDICATÓRIA NÃO PREENCHIDOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
"O êxito da ação reivindicatória depende da comprovação da propriedade da área reivindicada, da sua correta individualização e da prova da posse injusta exercida pelo réu sobre o imóvel. À míngua de um dos requisitos engastados no artigo 1.228 do Código Civil de 2002, cuja prova incumbe exclusivamente ao autor, a teor do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, não merece guarida o pleito reivindicatório" (AC n. 2003.017008-1, da Capital, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.014541-9, da comarca de Chapecó (1ª Vara Cível), em que é apelante Antônio Carlos de Moraes, sendo apelada Claudete Rodrigues de Moraes:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso para negar-lhe provimento.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Antônio Carlos de Moraes ajuizou ação reivindicatória n. 018.04.012178-7, em face de Claudete Rodrigues de Moraes, asseverando, em síntese, que: é o legítimo proprietário do imóvel que atualmente encontra-se habitado pela apelada; que procedeu a notificação judicial da ora apelada para desocupação do imóvel; que após a sua saída do lar conjugal, após ação de separação de corpos, concordou tacitamente com a permanência temporária da apelada no imóvel; que o casamento foi celebrado sob o regime da separação total de bens; que a apelada encontra-se em mora, eis que notificada judicialmente para desocupar o imóvel.q
Devidamente citada, a ré apresentou contestação, aduzindo que nos autos da ação de reintegração de posse n. 018.02.014414-5 as partes celebraram acordo acerca do imóvel objeto da lide; que consoante o acordo entabulado o imóvel é de propriedade de ambas as partes, devendo o valor da venda ser partilhado; que o autor não possui a propriedade plena e individualizada do imóvel (fls. 46/47).
Impugnação à contestação (fls. 51/54).
Após, a ilustre Togada de primeiro grau proferiu a sentença, julgando extinto o feito, sem julgamento do mérito, com base no art. 267, IV, do CPC, sob o fundamento de que o acordo celebrado nos autos da ação de reintegração definiu a propriedade do imóvel na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para cada parte (fls. 56/60)
Irresignado com o teor do decisório, interpôs o apelante o presente recurso, alegando, em suma, que: em momento algum a propriedade foi transferida à apelada; que o acordo entabulado nos autos da ação de reintegração trata somente dos valores referentes ao aluguel e ao IPTU; que a propriedade não se presume.
O prazo para contra-razões transcorreu in albis (fl. 83).
É o relatório.
II -VOTO:
Da analise do caderno processual, conclui-se que a discórdia reside no acordo entabulado entre as partes nos autos da ação de reintegração de posse n. 018.02.014414-5. Aduz o apelante que em momento algum a propriedade do imóvel foi transferida no acordo firmado naqueles autos, tendo sido tratado somente dos valores referentes ao aluguel e ao IPTU.
Conforme as razões a seguir exposta, a insurgência do recorrente não está a merecer amparo.
O apelante, casado com a ora apelada pelo regime de separação total de bens desde setembro de 1978, adquiriu o imóvel litigado em meados de 1986. Com o término da relação conjugal, em 1999, as partes tacitamente acordaram que a posse temporária do imóvel em que residiam restaria à apelada. Após decretação do divórcio (fl. 19), o recorrente ingressou com a ação de reintegração de posse, na qual as partes compuseram acordo nos seguintes termos:
"[...] 1) as partes acordam que o imóvel, terreno e casa será vendido, sendo colocado à venda imediatamente, e o valor deverá estar dentro das médias das avaliações de três imobiliárias; 2) a ré desocupará o imóvel em trinta dias, sendo que se responsabiliza pelo pagamento do IPTU que encontra-se atrasado, colocando-o em dia até a desocupação; 3) se o imóvel não for vendido, poderá ser locado, cabendo ao valor do aluguel em 50% para cada parte; 4) Enquanto não for vendido ou locado, o IPTU será dividido em 50% para cada qual [...]" (fl. 49).
Do atento exame do acordo supra, é forçoso concluir que o apelante renunciou 50% (cinqüenta por cento) de sua propriedade em favor da ora apelada. Como bem salientado pela ilustre Togada de primeiro grau, "se assim não fosse, por que estipular que obrigatoriamente seria vendido e a forma de fixação do preço, por que a ré receberia 50% (cinqüenta por cento) do valor do aluguel, em caso de locação, por que responderia a ré por 50% (cinqüenta por cento) do IPTU após a desocupação?"
As cláusulas dispostas na composição empenhada são bastante cristalinas no tocante à divisão do imóvel em 50% (cinqüenta por cento) para cada. A necessidade do valor da venda estar dentro da média das avaliações de três imobiliárias demonstra a intenção das partes nesse sentido, vez que, caso contrário, o ora apelante poderia livremente dispor do imóvel, alienando-o pelo preço que melhor lhe conviesse.
Válido salientar, que as ações reivindicatórias tem por desiderato devolver ao legítimo proprietário do bem, a posse que está injustamente em poder de terceiro. Pressupõem a propriedade atual do autor e a posse da coisa pelo requerido.
Conforme dispõe o art. 1.228, caput, do Código Civil:
"O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha".
Para a procedência da ação reivindicatória, faz-se indispensável o preenchimento de alguns pressupostos: a) provar a titularidade do domínio; b) efetuar sua individualização; c) comprovar a posse injusta da parte requerida.
Sobre os requisitos da ação reivindicatória lecionam Paulo Teceu Haendchen e Rêmolo Letteriello:
"[...] a) que o autor tenha a titularidade do domínio sobre a coisa reivindicanda; b) que a coisa seja individuada, identificada; c) que a coisa esteja injustamente em poder do réu, ou prova de que dolosamente deixou de possuir a coisa reivindicanda" (Ação reivindicatória: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 34)
Neste norte, colhe-se desta colenda Corte:
"AÇÃO REIVINDICATÓRIA - JUÍZO PETITÓRIO - CARACTERÍSTICAS - DOMÍNIO DO AUTOR CARACTERIZADO - POSSE INJUSTA DA RÉ DETECTADA - ÁREA DEVIDAMENTE DELIMITADA - REQUISITOS LEGAIS PRESENTES - SENTENÇA CONFIRMADA - RECLAMO DESPROVIDO.
A ação reivindicatória é ação real, dominial ou petitória, que compete ao proprietário não possuidor da coisa para reavê-la do poder de terceiro, possuidor não proprietário, que injustamente a detenha.
O sucesso da demanda exige a reunião de três adminículos, quais sejam: o domínio do autor, a posse injusta do réu e a delimitação da área reivindicanda" (AC n. 01.017826-5, de São José, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 13/03/05).
No tocante ao terceiro pressuposto, impende ressaltar que a posse injusta a que se refere o art. 1.228 do Código Civil (equivalente ao art. 524, CC de 1916) não deve ser confundida com aquela cuja definição se faz presente no art. 1.200 da referida lei. Isto porque, com efeito, a posse injusta que constitui pressuposto da ação reivindicatória não necessita ser precária, clandestina ou violenta, bastando que seja desprovida de justo título dominial oponível ao reivindicante. Ou seja, deve ser considerada injusta, perante o titular do domínio, a posse exercida sem justo título desse direito.
A propósito, colhe-se do escólio jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça elucidativo acórdão da lavra do ministro César Asfor Rocha:
"REIVINDICATÓRIA. PRESSUPOSTOS. POSSE INJUSTA. A injustiça na posse, para efeito de tutela reivindicatória fundada no artigo 524 do Código Civil, não pressupõe adequação ao contido no artigo 489 do mesmo diploma legal relativamente à posse injusta própria para os interditos possessórios. Recurso especial não conhecido" (REsp n. 151.237, de Minas Gerais, j. em 24.05.2000).
Assim sendo, in casu, não logrou êxito o apelante em comprovar a posse injusta da apelada, posto que, como salientado, do acordo entabulado nos autos da ação de reintegração, dessume-se ser esta co-proprietária do imóvel objeto da discussão.
O acordo firmado pelas parte, repisa-se, transferiu 50% (cinqüenta por cento) da propriedade do imóvel litigado à apelada. Além do mais, tal acordo, celebrado em dezembro de 2002, restou homologado judicialmente por sentença transitada em julgado em 14/02/03, estando-se, pois, diante de coisa julgada material.
Por conta disso, tendo em vista a não comprovação da posse sem justo título (injusta) da requerida, posto que o acordo firmado lhe transferiu a propriedade, o desprovimento do presente recurso é medida que se impõe.
Desta colenda Corte, traz-se à colação:
"PROCESSUAL CIVIL. REIVINDICATÓRIA. POSSE INJUSTA NÃO DEMONSTRADA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE AO AUTOR. INCIDÊNCIA DO ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
O êxito da ação reivindicatória depende da comprovação da propriedade da área reivindicada, da sua correta individualização e da prova da posse injusta exercida pelo réu sobre o imóvel. À míngua de um dos requisitos engastados no artigo 1.228 do Código Civil de 2002, cuja prova incumbe exclusivamente ao autor, a teor do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, não merece guarida o pleito reivindicatório" (AC n. 2003.017008-1, da Capital, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. em 17/02/05).
Por todo o exposto, nega-se provimento ao presente recurso.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, a Câmara, à unanimidade, conheceu do recurso e negou-lhe provimento.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 01 de julho de 2005.
Wilson Augusto do Nascimento
PRESIDENTE COM VOTO
Sérgio Izidoro Heil
RELATOR
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